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ISSN 1518-5974
Boletim bimestral sobre tecnologia de redes
produzido e publicado pela   RNP – Rede Nacional de Ensino e Pesquisa
20 de dezembro de 2002 | volume 6, número 6
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Nesta edição:

NewsGeneration:



Um jeito amigável de obter qualidade de serviço da rede?

Andy Oram <andyo@oreilly.com>
O'Reilly & Associates

tradução:
Alexandre Grojsgold
<algold@rnp.br>
Diretor de Operações
Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP)

1. Introdução
2. Reservas sobre Protocolos de Qualidade de Serviço
3. Superando o congestionamento com foco na retaguarda ao invés da vanguarda
4. Melhor esforço alternativo
5. Conclusão
Sobre este artigo

1. Introdução

Ao longo desse mês, em vários momentos, fiquei preso no trânsito, atrás de um ônibus escolar, de um caminhão de supermercado, ou de uma van de transporte de idosos. Soube permanecer calmo nessas ocasiões, lembrando-me que eles cumpriam missões mais importantes do que a minha (provavelmente eu ia para o trabalho, escrever esse artigo).

Tal generosidade é rara nas ruas. Mas na Internet ela pode ser um caminho para a tão esperada promessa de mídia interativa de banda larga, a um custo relativamente baixo. Parte dessa história envolve a descrição técnica do "serviço cata-lixo" (scavenger service) e "melhor esforço alternativo" (alternative best-effort service) adotado pelo Grupo de Trabalho de QoS da Internet2 (Internet2 QoS Working Group). A outra parte da história é a odisséia que o grupo de trabalho empreendeu para adotar essas soluções criativas.

Para levarmos a metáfora de tráfego um pouco mais longe, o grupo de trabalho descobriu que eles não conseguiriam atingir seu destino sem inverter o rumo de toda a frota de veículos e procurar uma rua diferente. A coragem do grupo é particularmente digna de nota porque teve que abandonar uma estrada que fora rasgada e pavimentada, de forma pioneira, por muitos de seus próprios membros.

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2. Reservas sobre Protocolos de Qualidade de Serviço

A entrega de pacotes tradicional, baseada em melhor esforço, não impediu que no último par de décadas pessoas enviassem áudio e vídeo de tempo real sobre a Internet. Mas o efeito de jitter, combinado com a banda limitada, deram a serviços como o CUSeeMe o aspecto de imagem vista através de vidraça molhada de chuva.

Instalações com suficientes recursos financeiros tentaram resolver o problema através de super provisionamento. Mas mesmo que os usuários nas duas pontas estivessem dispostos a colocar fibra óptica em suas instalações, não podiam obrigar seus provedores a fazer o mesmo.

Em outras palavras, tornar disponível elevada largura de banda requeria um esforço coordenado entre as pontas da rede e o núcleo (backbone). Em larga medida, a criação da Internet2 em 1996 nasceu de um acordo para incrementar-se linhas e equipamentos em cada um dos níveis da rede. Internet2 significa muitas coisas, mas um de seus aspectos pode ser descrito como uma promessa mútua entre universidades, pesquisadores e provedores de redes regionais para a criação e o emprego frutífero de conexões de alta velocidade.

Para fazer uso inteligente dessas linhas, e maximizar seu valor, os pesquisadores da Internet2 juntaram-se a outros na busca de meios de fixar-se capacidade de banda através de uma rede de largo alcance geográfico: prover garantia de fluxo produtivo de dados para aplicações específicas, ao longo de períodos de tempo limitados.

Nessa época, a promessa de Qualidade de Serviço (QoS=Quality of Service) garantida na Internet, de forma flexível, era encarnada pelo Resource ReSerVation Protocol (RSVP), definido no RFC 2205 , em 1997. Esse documento incorporava os objetivos mais ambiciosos dos pesquisadores de QoS.

Suponha que dois computadores concordem em estabelecer uma sessão que envolva grandes fluxos de dados. Com RSVP, a máquina que deve receber os dados usa mensagens de reserva para contatar cada roteador na rota reversa, até o originador dos dados, e neles estabelecer a reserva de banda.

Deixar essa tarefa a cargo do receptor dos dados permite que os roteadores percebam quando múltiplos receptores estão solicitando o mesmo fluxo de dados, e possam combiná-los na forma de multicast (envio múltiplo), para aumentar o uso eficiente da rede entre o originador dos dados e o roteador. Os roteadores ao longo do caminho, uma vez que concordem em prover a banda solicitada, cooperam para manter os pacotes fluindo.

Em teoria, é extraordinário. Na prática, RSVP foi declarado viável apenas para redes pequenas. Segundo Ben Teitelbaum, membro coordenador do Grupo de Trabalho de QoS da Internet2, recentes desenvolvimentos do protocolo em "RSVP agregado" poderiam superar as objeções de que "ele não escala".

Mesmo assim, seu grupo chegou a conclusão de que barreiras logísticas, financeiras e organizacionais bloqueariam o caminho para as garantias de banda. Aqui estão alguns dos problemas desencorajadores, sumarizados de um artigo escrito por Teitelbaum e Stanislav Shalunov, pesquisadores da Internet2.

Além dessas críticas, e outras mais específicas, a premissa do serviço premium vai fundamentalmente contra a arquitetura da Internet. Deve ser levado em conta que roteamento IP tradicional tem, por base, a escolha da melhor rota para cada pacote baseado, apenas em considerações locais. De fato, essa prática é a justificativa inicial para quebrar os dados em pacotes.

Já o serviço premium assume que uma rota é escolhida de antemão (se bem que RSVP admita um grau limitado de reroteamento). Coloca-se imediatamente a pergunta: "Precisa-se de Internet para isso?"

Como diz Teitelbaum: "O modelo de serviço de melhor esforço permitiu que a Internet se tornasse a infra-estrutura rápida, barata e global, que nós conhecemos e amamos. A tentação de ensiná-la novos truques - tal como oferecer garantias de Qualidade de Serviço (QoS) similares a circuitos - é muito real. Infelizmente, existe um risco enorme de que, em fazendo-o, estaríamos minando justamente as características que tornaram a Internet tão bem sucedida."

Chegando a constatação de que os serviços premium eram tanto impraticáveis quanto filosoficamente indesejados, o grupo de trabalho de Qos da Internet2 tomou uma mudança de rumo surpreendente. Oficialmente, anunciaram que estavam suspendendo todos os esforços em serviços premium - dando as costas para anos de importantes trabalhos de pesquisa e de especificações. A partir daí, demonstraram algumas idéias sobre coisas já prontas para uso, buscando o uso eficiente da banda, olhando agora em uma direção inteiramente diferente.

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3. Superando o congestionamento com foco na retaguarda ao invés da vanguarda

A mudança drástica no grupo de QoS consistiu no seguinte: ao invés de forçar os usuários a competir por tratamento preferencial (um tipo de raciocínio que leva a todas as distorções e riscos anteriormente listados), permitiram que eles voluntariamente aceitassem um status mais baixo. A idéia é que se você for amigável, você aliviará o congestionamento para todos. Você pode até acabar com melhor banda do que você obteria de outra maneira, porque você está colocado em uma fila separada do tráfego normal.

Os dois serviços que o grupo de trabalho adotou nessa linha estão sendo, atualmente, confirmados experimentalmente.

O Serviço Cata-lixo do Qbone (QBone Scavenger Service) permite que uma aplicação marque seu tráfego como sendo de baixa prioridade. O tráfego é entregue usando o mesmo algoritmo de melhor esforço do tráfego normal, mas colocado em uma fila separada, que o roteador atende menos freqüentemente.

A proposta é baseada no serviço "abaixo do melhor esforço" ("lower than best-effort" service), sugerido por R.Bless e K. Wehrle em 1999. Foi posteriormente refinado e usado em experimentos por pesquisadores de Serviços Diferenciados (Differentiated Services - diffserv). Usuários do Unix imediatamente verão a similitude entre o serviço cata-lixo e o comando (e chamada de sistema) "nice", que serve para baixar a prioridade de um determinado processo.

Para ver o quão simples a implementação é, basta olhar a definição. O originador do pacote implementa o serviço posicionando um único bit no cabeçalho IP!

Roteadores, é claro, precisam de mais sofisticação do que o originador para implementar o serviço cata-lixo. Eles não podem simplesmente colocar todo o tráfego normal à frente do tráfego de baixa prioridade, sob risco de bloquear totalmente esse último. Ao invés disso, eles têm que manter filas separadas para o tráfego normal e o de baixa prioridade, enviando desse último apenas a quantidade suficiente para manter as conexões TCP ativas.

Tudo o que se necessita é um dos algoritmos bem estabelecidos já embutidos em muitos roteadores para priorização de tráfego, tal como o "weighted fair queueing".

Ademais, mesmo que a rede decida instalar o serviço cata-lixo de forma incremental, ele será, ainda assim, útil. Interfaces que ignoram, mas deixam passar, a marca cata-lixo irão prover serviço normal a todos, sem prejudicar o esforço das localidades que efetivamente atendam ao bit.

É importante ter consciência de que o serviço cata-lixo depende de uma escolha do usuário final. Ou está embutido em um programa binário, ou o usuário opta pelo serviço ao rodar o aplicativo. Em qualquer caso, a escolha final estará com o usuário.

Mas o grupo de trabalho está apostando que muitos usuários vão aderir. Alguns farão isso honrando a preservação de um bem comum, alguns o farão para liberar banda para outros aplicativos deles mesmos, e outros estarão atentos a recompensas financeiras ou a exigências de uma política de uso aceitável da rede.

O serviço é necessariamente apropriado para grandes transferências de dados, porque os destinatários usualmente não se importam se alguns minutos extras somarem-se a uma grande transferência de dados, quando sabem que terão de esperar um tempo grande de toda forma.

O serviço cata-lixo pode ser a solução para redes de campi atualmente tomadas por transferências de músicas de serviços de arquivos compartilhados peer-to-peer. Algumas universidades se beneficiariam imensamente, porque o serviço poderia ser usado por projetos de pesquisa que rotineiramente realizam transferências de dados que levam horas para se completar.

Teitelbaum espera que o serviço cata-lixo leve desenvolvedores de programas a experimentá-lo com classes inteiramente novas de aplicativos. Usuários poderão fazer muito mais uso da banda disponível se eles sentirem confiança de que podem trocar grandes volumes de dados com pouco ou nenhum impacto em outros aplicativos. Novos tipos de processos de background podem surgir para explorar a rede, da mesma forma como aplicativos de computação em grid, tal como SETI@home, exploram ciclos não utilizados de CPU.

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4. Melhor esforço alternativo

Não querem desistir de algo em troca de nada? Então considerem outra idéia sob apreciação pelo grupo de trabalho, Melhor Esforço Alternativo (Alternative Best-Effort (ABE)). Foi pensado tendo em vista aplicações de mídia interativa como Voicecoder IP, que requerem baixos retardos mas podem tolerar perdas.

Em ABE, o aplicativo pede que pacotes sejam descartados em caso de congestionamento, ao invés de enfileirados. Dessa forma, ABE ajuda os aplicativos a evitar o jitter ao mesmo tempo em que reduz o congestionamento para todo o tráfego.

ABE tem uma história de pesquisa que data pelo menos a 1998, e é comparável a outro projeto de pesquisa chamado Serviços Diferenciados de Melhor Esforço Best Effort Differentiated Services (BEDS).

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5. Conclusão

Filosoficamente, eu acho interessante, e até inspiradora, essa mudança de opinião do grupo de trabalho de QoS da Internet2. Enquanto a maior parte da Internet2 é feita de coisas pesadas e caras (canais largos, equipamentos de vídeo impressionantes), o grupo de trabalho de QoS escolheu dois projetos de pesquisa modestos que podem levar a larga adoção de novas práticas proveitosas por toda a Internet.

Tomar uma derivação diferente na auto-estrada demandou coragem: não é fácil se afastar de uma iniciativa ampla e bem divulgada tal como os serviços premium. Para encontrar alternativas, o grupo combinou uma sensibilidade para com a cultura da Internet com uma vontade desabrida de fazer ajustes profundos, mas incrementais, ao IP. É o que chamo de um melhor esforço

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Sobre este artigo

Andy Oram é editor na O'Reilly & Associates, especializado em livros de Linux e programação. Mais recentemente, ele editou Peer-to-Peer: Harnessing the Power of Disruptive Technologies.

Este artigo foi publicado originalmente em inglês, no site da O'Reilly Network http://www.oreillynet.com/pub/a/network/2002/06/11/platform.html

A publicação da tradução para o português, no NewsGeneration, foi gentilmente autorizada pelo autor.

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