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RNP na Mídia 
 

Medicina digital: acessibilidade à saúde básica

Recursos tecnológicos alteram práticas convencionais de ensino e de assistência


Revista Ser Médico

01.05.2006


Cena 1 - Área de pós-cirurgia da Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Um paciente se recupera de uma cirurgia. Usando uma prancheta eletrônica, a enfermeira transmite informações à família, que recebe sons e imagens do paciente numa tela de computador, em outra ala do hospital. A cena será possível no futuro, graças aos recursos da chamada Humanização da Internação Hospitalar ou Telemonitoração.

Cena 2 - Um doente crônico, atendido pelo sistema de saúde, prefere convalescer em sua residência. Por meio de seu computador e de uma conexão discada, ele se conecta a um hospital, de onde é monitorado e onde pode consultar um profissional quando necessitar. Trata-se do Telehomecare.

Cena 3 - Ferido, um soldado é atendido por um médico à distância – em outro Estado, país ou continente –, manipulando um robô-cirurgião que está no campo de batalha. O robô possui câmeras transmissoras de imagens tridimensionais e “mãos”. A tecnologia é chamada de Telecirurgia robótica ou Intervenção cirúrgica à distância.

As três cenas ilustram algumas das tendências futuras da Telemedicina (TM), o uso de tecnologias de ponta ou de baixo custo para promover saúde à distância, aumentando a capacidade de assistência médica à população carente. Os avanços tecnológicos revolucionaram as formas convencionais de trabalho de várias profissões, inclusive da Medicina. A partir da década de 1960, subproduto da corrida espacial e armamentista, que usaram sofisticadas tecnologias de telemetria biométrica e redes de computadores, a Telemedicina começou a dar os primeiros sinais, conta o coordenador geral da disciplina de Telemedicina da Faculdade de Medicina da USP, Chao Lung Wen.

As inovações ganharam novo impulso em 1996, com a redução do custo dos microcomputadores multimídia e a chegada da Internet no mercado. No Brasil, país que tem populações isoladas, com acesso limitado à saúde e com insuficiência de médicos e de hospitais, a tecnologia pode cumprir um papel fundamental. Pode-se, por exemplo, usar o recurso da videoconferência, já muito utilizada na educação e ensino médico, em cuidados remotos e no auxílio do especialista ao médico generalista, que atua em localidades distantes. Com essa tecnologia, o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP) transmite procedimentos dos centros cirúrgicos para os auditórios, teatro e salas de aula.

A disciplina de Telemedicina da Faculdade de Medicina da USP foi criada em 1997. Além dos recursos de videoconferência, a faculdade utiliza o recurso Homem Virtual, um conjunto de animações computadorizadas que apresenta em detalhe os vários órgãos do corpo humano, suas doenças e possíveis tratamentos. O Homem Virtual foi desenvolvido na FMUSP, que hoje conta com mais de 90 Cd-rooms sobre diferentes partes do corpo humano. A faculdade possui dois Centros de Tecnologia (Cetecs) que interligam cada um dos institutos do complexo HC, as estruturas educacionais da FMUSP e as unidades da USP, formando a Rede USP Net de Telemedicina.

Os Cetecs permitem a comunicação das instituições entre si e também com outros países, em discussões, transmissões cirúrgicas, cursos de treinamento e educação continuada, segunda opinião médica especializada, aulas e outras atividades de ensino, pesquisa e assistência. A faculdade está interligada à Rede EPesq (Ensino e Pesquisa), de alta performance (banda larga), que permite o emprego do sistema wireless (sem fio), dando maior mobilidade aos professores e reduzindo custos telefônicos. Diversas instituições universitárias do país também podem se comunicar com o complexo pela conexão com a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa – RNP, vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. “A Faculdade é um centro de excelência e estamos investindo na formação e na educação continuada dos médicos, tanto aqui como em outras faculdades”, explica Chao Lung Wen.

Wen conta que um dos projetos da disciplina com o Ministério da Saúde é o uso de telemedicina de baixo custo para ajudar os Programas de Saúde da Família (PSF). "A TM pode evitar que pessoas carentes tenham que sair às 4 horas da manhã para chegar a um hospital longínquo e enfrentar uma fila para ter 15 minutos de atendimento. Um hospital de referência pode ajudar um centro de saúde de bairro a atender sua população e evitar esse deslocamento. Essa é a Telemedicina de que o país precisa, nas regiões carentes e na periferia das grandes metrópoles", avalia.

A disciplina de Telemedicina da USP, dentre outros empreendimentos, desenvolve um projeto de educação, integração e assistência na Amazônia, onde comunidades e profissionais vivem isolados, há localidades sem médicos, e os habitantes precisam fazer longas viagens de barco ou avião para receber assistência médica. O projeto Pólo de Telemedicina da Amazônia é fruto de uma parceria com a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e tem apoio do Conselho Federal de Medicina. Wen acha que não há lógica em levar um paciente de Manaus para o HC, em São Paulo. "Por que o Hospital das Clínicas não se conecta com o Hospital Universitário Getúlio Vargas, por exemplo, que é um hospital de referência em Manaus, para atender os pacientes lá mesmo? E, se precisarem, nós oferecemos apoio", informa Wen.

O Setor de Telemedicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) integra o Departamento de Informática em Saúde desde 1999. O Setor apóia as atividades de TM na Universidade, incentivando os departamentos e as disciplinas de cada especialidade a fazer o atendimento à distância.

A Unifesp mantém intercâmbio de assistência remota e discussão de casos com universidades da Califórnia, do Canadá e de outros países. Integra também a Rede Universitária de Telemedicina (Rute) e a Comissão Permanente de Telemedicina, do Ministério da Saúde.

Um dos principais projetos de Telemedicina da Unifesp ocorre na área indígena do Xingu. A universidade faz a gestão em saúde daquela região, colabora com as lideranças indígenas, coordena e educa os profissionais de saúde. "Há dois anos, tentamos implementar um programa de assistência remota para os profissionais de saúde, enfermeiros, médicos e agentes de saúde, para que contem com uma retaguarda de apoio, troquem informação ou obtenham segunda opinião", informa o coordenador técnico do Setor de Telemedicina da Unifesp, Paulo Roberto de Lima Lopes.

Segundo ele, não há condições de usar tecnologia de satélite nas 58 aldeias existentes no Xingu, por causa do custo. "Mas podemos concentrar as antenas em uma ou duas aldeias e criar uma rede sem fio, para que pequenas aldeias também tenham acesso e possam enviar um e-mail. Se apenas com um e-mail pudermos melhorar as atividades de saúde no parque do Xingu, o projeto já é válido. Não precisamos fazer uma cirurgia robótica ou videoconferência em todos os pontos. A prioridade é a assistência básica", ele diz.

A Unifesp está formulando um projeto de Cardiologia, de monitoração de ECG Celetrocardiograma) nas unidades básicas de saúde. A universidade seria um centro de referência, emitindo os laudos. O paciente faz o seu eletro e os sinais são enviados ao centro em que está o cardiologista. O generalista recebe o laudo e os procedimentos a serem realizados para tratamento, sem o deslocamento do paciente.

Paulo Lopes atesta que há uma adesão cada vez maior dos médicos às novas tecnologias, especialmente os mais jovens. Claudia Barsottini, coordenadora de Informação e Informática do Centro Alfa de Humanização em Saúde da Unifesp, diz que os médicos que já atuam em áreas informatizadas, como diagnóstico por imagem, têm mais facilidade. "Os clínicos são os renitentes, porque 'sempre fizeram bem seu trabalho usando o conhecimento, caneta e papel'. Nosso papel é estimulá-Ios e preparar novas gerações, diariamente", conta ela.

O professor ginecologista da FMUSP, Jesus Paula Carvalho, começou a utilizar a videoconferência e a Mulher Virtual em aulas. Para ele, o método antigo não será substituído: "São objetos que se agregam e a Mulher Virtual é mais uma ferramenta".

Sobre a importância da Telemedicina no Brasil e no mundo, Paulo Lopes diz: "em um país que tem São Paulo, com uma grande infra-estrutura de telecomunicação e concentração de médicos, e que tem o Xingu, o oposto, o Brasil precisa dar atenção tanto à alta tecnologia, para sofisticar a área médica, como também às tecnologias de baixo custo, para melhorar a atenção básica".

Claudia Barsottini assegura: "temos diferenças sociais e territoriais enormes; se os grandes centros continuarem a desenvolver tecnologias de saúde e permanecer entre eles, continuaremos mantendo essas diferenças. A Telemedicina é uma forma de distribuir o conhecimento para o interior, nas regiões onde não há médicos". Chao Wen acredita que a Telemedicina se tornará um recurso acessível e o paciente irá interagir de sua casa com os profissionais de saúde. "Como será daqui quatro anos? Os computadores serão barateados, talvez custem R$ 500, com capacidade de transmissão de dados de alta qualidade", calcula.

Resolução do CFM define limites da Telemedicina

O Conselho Federal de Medicina, baseado na Declaração de Telaviv da Associação Médica Mundial (de 1999), instituiu a Resolução CFM nº 1.643/2002, que define o que é Telemedicina e seus limites, regulamenta a prestação de serviços e reconhece oficialmente a nova modalidade. Também definiu normas técnicas e responsabilidades. Por exemplo, no caso de uma operação à distância, a responsabilidade será do médico que está ao lado do paciente, mesmo que orientado por um profissional em outra localidade, via videoconferência.

fonte: http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Revista&id=241

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