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RNP na Mídia 
 

10+: Dez anos da Internet no País


Agência Estado

25.04.2002


Em pouco mais de um mês cairá o décimo aniversário da Conferência das Nações Unidas sobre Meio-Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro durante duas semanas de junho de 1992, e conhecida como a Cimeira Global, UNCED-92, ECO-92 ou Rio-92, de acordo com o gosto pessoal ou tribal do usuário (www.un.org/geninfo/bp/enviro.html). A ONU pretende realizar outro evento semelhante este ano, em Joanesburgo, África do Sul (www.johannesburgsummit.org). Para este artigo, a característica mais relevante de 1992 foi na área de comunicação. Além da conferência oficial no Rio, houve também um encontro de ONGs, chamado de Fórum Global, e os dois eventos foram assistidos por 10.000 jornalistas e transmitidos para o mundo todo. Entre os meios de comunicação utilizados pelos profissionais se incluía pela primeira vez o acesso Internet neste nosso país.

Já contei em outro local a história das origens da nossa rede acadêmica, e em especial o processo que levou à inserção do Brasil na Internet (www.rnp.br/newsgen/9806/inter-br.shtml), e é notável que a realização destes eventos do Rio e a visibilidade que eles proporcionaram ao país foram decisivas para o vencimento nesse momento dos obstáculos à esta inserção. A conferência se iniciou em 3 de junho. Menos que duas semanas antes foi inaugurada a fase Internet da Rede-Rio (www.rederio.br), a rede estadual criada e mantida pela Faperj – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (www.faperj.br). A Rede-Rio presta para este estado o mesmo tipo de serviço como a rede estadual ANSP em São Paulo (www.ansp.br), interligando suas universidades e centros de pesquisa, e provendo-lhes acesso ao exterior. O acesso à Internet para os jornalistas e ONGs da conferência no Rio seria provido pela Alternex, um serviço de comunicação montado pelo Ibase – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (www.ibase.org.br), para atender a ONGs e indivíduos. A Rede-Rio era importante para o evento, pois a Alternex se tornou um dos seus clientes, obtendo assim acesso internacional à Internet global na taxa de 64 kbps (quilobits por segundo), e estas estruturas de acesso continuariam funcionando depois do encerramento da conferência. O evento no Rio teve repercussões nacionais, e serviu para impulsionar a ANSP a inaugurar um acesso Internet de produção (64 kbps - já havia um acesso experimental desde 1991 compartilhando uma linha de 9,6 kbps) para poder atender seus clientes em São Paulo, e para fazer decolar a instalação do primeiro backbone nacional da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa - RNP (www.rnp.br), oferecendo acesso Internet aos demais estados fora do eixo Rio-SP.

Vemos então como a conferência do Rio foi verdadeiramente a marca zero da Internet no país. Entretanto, seu uso ainda era inicialmente restrito apenas a algumas áreas de poucas universidades e centros de pesquisa, concentrados principalmente nas capitais dos estados, com algumas exceções honrosas. A capilaridade desta rede era pequena, como era também sua capacidade — basta pensar que os dois enlaces internacionais originais, do Rio e de São Paulo, juntos comportavam 128 kbps, para atender a todos os então usuários no país. Hoje esta capacidade é freqüentemente disponível para um só usuário dos atuais serviços mais rápidos de acesso. Mas a característica principal desta fase inicial da Internet era a "exclusão digital" de quase toda a população. Que o acesso público à Internet viria a ser importante não era claro para todos na época. Mas havia um forte indício disto do exemplo dos EUA, onde a Internet havia iniciada em 1990 uma forte expansão para atender a população em geral, não se restringindo mais apenas ao setor de ensino e pesquisa. E era também uma questão de eqüidade: se a Internet fosse realmente uma coisa tão boa, não havia nenhuma justificativa a limitar seus benefícios apenas às universidades. Felizmente, as universidades são instituições subversivas, pois criam expectativas para as pessoas que mantêm contato com elas. Quando estas, e estamos falando dos alunos e dos freqüentadores eventuais da imprensa, do governo ou do setor dito produtivo da economia, descobrem que tem algo tão bom sendo usado corriqueiramente dentro da academia, mas que inexiste fora dela, são criadas pressões para sua transferência para a sociedade em geral.

Havia obstáculos, é claro, a começar com a situação das telecomunicações no país na época, ainda sob controle estatal, com deficiências na sua infra-estrutura para atender a demanda por serviços básicos de voz. A questão de comunicação de dados era especialmente complicada, pois ainda era quase monopólio de fato da Embratel, apesar do fato que as operadoras locais de telefonia (Telesp, Telerj, etc.) já podiam instalar e oferecer seus próprios serviços. A grande vantagem da Embratel era sua abrangência, e sua participação era essencial para comunicação interurbana ou internacional.

Finalmente, havia a questão de padrões. Nos anos 1980, houve um grande movimento entre as companhias telefônicas dos principais países, através da União Internacional das Telecomunicações – ITU (www.itu.ch), que define as normas técnicos para o setor, para baixar normas para as redes de computadores, conhecido usualmente como Interconexão de Sistemas Abertos, ou pela sigla correspondente em inglês, OSI. No país, a adesão às normas OSI fazia parte da política do governo federal, definida formalmente pelo Secretaria de Política de Informática do Ministério de Ciência e Tecnologia (Sepin/MCT). As normas OSI simplesmente não eram seguidas na Internet, cujos expoentes haviam desenvolvido sua própria coleção de normas técnicas. No Brasil a Internet a nível federal era um projeto também do MCT. Basta dizer que, neste embate nacional entre os defensores dos padrões OSI e os pragmáticos da Internet, ganharam estes últimos, como, de fato, ocorreu em todo o mundo. A proposta OSI foi simplesmente enterrada pela adoção maciça da alternativa.

Um sinal importantíssimo desta mudança foi o reconhecimento dentro da Embratel do sucesso comercial explosivo da Internet no exterior, e especialmente nos EUA. Embratel, que ainda agia quase como policial do monopólio estatal das telecomunicações, começou a mostrar interesse por esta nova forma de comunicação entre computadores que gerava demanda para serviços de telecomunicação por um mercado de massa. Antes ela havia sido pioneira em oferecer um serviço de rede, seguindo a norma X.25 da ITU, e até correio eletrônico, usando a norma X.400. Entretanto, a adoção destes serviços havia sido tímida. Em 1994, tomou a iniciativa de criar seu próprio serviço de acesso Internet, e até manteve alguns contatos iniciais com os técnicos da RNP para discutir seu projeto. Até o final desse ano, lançou-se ao mercado, com a criação de um novo serviço de acesso discado à Internet, e começou a cadastrar usuários potenciais. Até o final do ano, alguns destes usuários começaram a usar o serviço.

Em outros tempos, a Embratel poderia ter abocanhado totalmente o mercado Internet comercial através desta sua iniciativa. Mas 1994 foi o ano de eleição de FHC, com um programa político que antevia a desestatização das telecomunicações. Com a chegada do novo governo em janeiro de 1995 tudo mudou, e os planos da Embratel de se estabelecer neste setor do mercado foram freados bruscamente. Numa declaração conjunta em maio de 1995 do MCT e do Ministério de Comunicações, determinou-se que as operadoras (ainda estatais) não deveriam oferecer o serviço de acesso Internet ao usuário final, devendo ser isto reservado para empresas privadas. As operadoras poderiam (e, talvez, deveriam) oferecer acesso às empresas, e teriam o dever de fornecer os recursos de telecomunicações necessários para viabilizar a montagem dos provedores de acesso Internet. Finalmente, foi criado o Comitê Gestor Internet (www.cg.org.br), com representação destes dois ministérios e de outros elementos do governo e da sociedade. Este Comitê Gestor acompanharia o desenvolvimento da Internet no país, e promoveria os ajustes necessários para facilitá-lo.

Estas definições abriram as portas para o início da Internet comercial (eu prefiro o adjetivo "público") no país. Liberou muita energia para a montagem de centenas de pequenos provedores Internet em todo o país, além de impulsionar a venda de computadores e equipamentos de comunicação, e aumentar muito a demanda por serviços de telefonia discada e acesso a redes backbone para comunicação a lonas distâncias. Inicialmente estes serviços backbone eram oferecidos apenas pela Embratel, e, como medida emergencial por tempo limitado, pela RNP. Acabaram aparecendo outras alternativas, mas a Embratel continua com a parte do leão neste setor. Jogaram-se com entusiasmo no novo meio várias atividades existentes, especialmente da mídia. Jornais e revistas impressas passaram a ter seus equivalentes digitais através da plataforma WWW. Os bancos, que no Brasil haviam abraçado a informatização dos seus serviços muito antes dos seus equivalentes até em países ditos adiantados, acabaram adotando quase uniformemente a Internet como meio de se relacionar com seus clientes. O próprio governo percebeu aos poucos os benefícios de ter novos canais de contato com seus usuários e como os contribuintes – veja o sucesso da Receita Federal em praticamente eliminar a declaração escrita em papel do ajuste anual de imposto de renda, hoje realizado em 97% dos casos pela Internet. Teve início o comércio eletrônico, mas isto ainda não teve a expansão potencial pelo atraso na implantação de sustentação legal e operacional para os contratos eletrônicos, embora isto já está acontecendo.

Enfim, os frutos das decisões e ações do período entre 1992 e 1995 estão muito visíveis hoje em dia, na pujança e na extensão da Internet entre nós. A adoção deste meio de comunicação tem sido tão maciça, que ela se tornou indispensável na nossa vida cotidiana. Ninguém mais se surpreende ao ver ou ouvir endereços Internet em mensagens de propaganda. As pessoas se comunicam com correio eletrônico, ou utilizam o WWW para planejar viagens, escolher filmes, realizar pesquisa para trabalhos escolares ou artigos como este, ou meramente para se divertir. Como já foi dito há dez anos: esta coisa de Internet é bom demais para ficar restrita só à universidade.

Michael Stanton (michael@ic.uff.br), que é professor titular de redes do Instituto de Computação da Universidade Federal Fluminense, escreve neste espaço desde junho de 2000 sobre a interação entre as tecnologias de informação e comunicação e a sociedade. Os textos destas colunas estão disponíveis para consulta.

URL: URL: http://www.estadao.com.br/tecnologia/coluna/stanton/2002/abr/25/75.htm

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